segunda-feira, 16 de junho de 2014

Ambiente Deposicional Eólico

1-    Introdução

  Sistemas deposicionais eólicos são domínios fisiogeográficos de sedimentação em que o vento é o principal agente geológico.  Um aspecto fundamental destes sistemas é que o nível de base de erosão é definido pela superfície freática, abaixo da qual o vento não tem capacidade de remover partículas. Assim, quanto mais  profundo o nível freático, mais suscetível de erosão eólica encontra-se o terreno, especialmente se a cobertura vegetal for insuficiente para reduzir a atuação do vento.
  Esta é a principal razão pela qual os sistemas deposicionais eólicos são caracterisados de desertos semi-áridos a hiper-aridos, macroambientes climáticos em que a precipitação anual e menor que 500 mm. Nestes macroambientes, as chuvas são ocasionais e torrenciais, alternadas com períodos de até mais de 12 meses consecutivos sem precipitação.
  Erosão, transporte e deposição de partículas através da ação do vento são processos inerentes aos desertos. As acumulações de areia resultantes denominam-se ergs (desertos arenosos) ou mares de areia (sand ergs), cujas espessuras são bastante variáveis, podendo atingir centenas de metros, como nos desertos do Saara, da Namíbia e de Gobi.
  As partículas mais finas (silte e argila) são carreadas até altitudes de vários milhares de metros, de onde  podem ser transportadas por milhares de quilômetros para fora do domínio do ambiente desértico, decantando onde as correntes atmosféricas perdem energia. Muito do sedimento removido do deserto do Saara por “tempestades de areia”, por exemplo, após ser carreado para oeste por correntes atmosféricas, deposita-se no Oceano Atlântico. A decantação  de partículas finas em domínios continentais dá origem aos depósitos de loess,que são constituídos predominantes pela fração síltico-argilosa.
  Devido á remoção de partículas de solo e sedimentos, muitas áreas desérticas são essencialmente rochosas (desertos rochosos). Outras têm a superfície cobertos de grãos de granulação cascalho transportados por enxurradas, mas não pelo vento (desertos pedregosos ou regs). Nestes grãos, são comuns formas facetadas e microcrateras produzidas pelo impacto subaéreo de areia (ventifactos).  Além disso, no ambiente desértico coexistem vários outros sistemas deposicionais tais como leques aluviais, planícies fluviais efêmeras (oueds ou wadis) e lagos intermitente (playas).
Por isso, os ergs ocupam apenas 20% da área total dos desertos modernos. Sua distribuição, porém, é muito variável de região para região. Nos grandes desertos da África, da Arábia, da Ásia e da Austrália, do ergs totalizam área correspondente a aproximadamente a metade da zona de clima árido. Já nos desertos da América, sua respresentatividade em relação à zona árida é de menos que 1% (Lancaster, 1995).
  A maioria dos desertos concentra-se em cinturões de baixa latitude (20 a 30º), em torno dos trópicos de Câncer e Taklamakan, na China, ocorrem em latitudes médias no interior de grandes continentes, distantes do suprimento de umidade derivada do oceano.



(figura 3 – Localização das regiões de clima árido, onde se encontra os principais desertos atuais)
  Apesar dos processos eólicos serem mais expressivos em desertos, o vento atua também como importante agente geológico nas áreas costeiras através de correntes atmosféricas derivadas do constante de calor específico e do aquecimento diferencial entre áreas emersas e oceanos. Sistemas deposicionais eólicos têm expressão morfológica importante em diversas regiões costeiras, especialmente naquelas onde há conjugação de fatores que favoreçam o grande suprimento de areia , trazida por rios e correntes litorâneas induzidas por ondas ou marés. O escasso desenvolvimento de vegetação e a exposição intermitente poré, repetida dos sedimentos arenosos na zona intermarés permite que o vento possa ser aí bastante atuante, mesmo sob condições climáticas úmidas.


 Conforme sua morfologia, as acumulações de areia existentes nos sistemas eólicos compreendem dois tipos básicos: lençóis de areia (sand sheets) e campos de dunas (dune fields). A classificação morfológica maior das acumulações eólicas remete assim ao conceito de duna eólica. No seu sentido mais amplo, dunas eólicas são formas de leito onduladas, quase sempre assimétricas, produzidas pelo transporte e deposição de partículas pelo vento. A assimetria caracteriza-se por inclinação maior no lado sotavento (Lee side ou downwind) que no lado barlavento (stoss side ou upwind). O conceito de duna possui um significado implícito quanto à hierarquia de tamanho de formas de leito eólicas, segundo o qual dunas são maiores e portanto passíveis de superposição por ondulas (sinônimos: microondulações ou marcas onduladas; em inglês, ripples), estas com comprimentos de onda predominantemente centimétricos a dessimétricos. No sentido mais escrito, dunas são formas onduladas desta hierarquia altas e íngremes o bastante para desenvolver avalanchas de areia no flanco de sotavento. Formam-se assim, na parte superior do lado sotavento, as faces de avalancha (slipfaces). Neste sentido, às formas submétricas a métricas sem face de avalancha pode-se reservar o uso dos termos megaripples (Taira & Scholle, 1979). É no contexto de tamanho de formas de leito, em grau hierárquico superior a duna, que se situa também o conceito de draa (Wilson, 1972).


 Os lençóis de areia (termo já utilizado por Bagnold, 1941) são massas de areia eólica em movimento, com superfície de relevo negligenciável, isto é, superimposição de dunas com faces de avalancha. Nos desertos, ocorrem geralmente às margens dos campos de dunas, embora ambos os tipos de depósitos possam existir independentemente (Kocurek & Nielson, 1986, Schwan, 1988). O relevo plano dos lençóis de areia nas áreas quentes da América do Norte é atribuído por Kocurek &Nielson (1986) a um ou mais dentre cinco fatores capazes de obstruir a formação de dunas eólicas: granulação grossa (areia grossa e cascalho), cimentação superficial, nível de água elevado, enchentes periódicas e cobertura vegetal. A estrutura sedimentar mais comum dos depósitos de lençol eólico, assim como a qualquer outro tipo de depósito em lençol, é a estratificação plana, de baixo ângulo (menor que 15°). Nesta estratificação, a alternância  marcada de granulometria é aspecto frequente, sendo a fração mais grossa (até grânulos) geralmente relacionada ao transporte por rolamento em protodunas dômicas ou na forma de cordões lineares transversais ao vento (Schwan, 1988; Lancaster, 1995), estes últimos também conhecidos como zibars. A identificação segura da origem eólica de depósitos dominados por este tipo de estratificação depende do reconhecimento de marcas onduladas características de ação do vento (Kocurek & Nielson, 1986), isto é, aplainadas e com cristas bifurcadas (item 5.2.1).


  Campos de dunas são grandes massas individuais de áreas em movimento, constituídas de dunas eólicas simples e/ou compostas, cavalgantes ou coalescentes, entre as quais podem existir áreas Interdunas. Em ergs, as dunas tipicamente não possuem cobertura vegetal. Já em áreas costeiras úmidas, onde existe a possibilidade de dunas vegetadas, utiliza-se o termo campo de dunas móveis, para referir-se especificamente aos grandes campos de dunas que a presença de vegetação é irrelevante do ponto de vista da sedimentação. No Brasil, têm-se vários exemplos, principalmente na costa das regiões sul e nordeste, com destaque para os Lençóis Maranhenses. Quando oblíquos á costa, os campos de dunas móveis avançam continentes adentro, recebendo então o nome de campos de dunas transgressivos.
  Os campos de dunas podem ser subdivididos em dunas e interdunas.


  Face á enorme abrangência da definição de duna eólica (apresentada na introdução do item 2), existem diversas propostas para sua nomenclatura e classificação, em muitos casos com denominações conflitantes, o que ficou evidenciado na revisão terminológica apresentada por Breed&Grow (1979). O esquema adotado por McKee (1979), baseado na morfologia observada em sensores remotos, é um dos mais usados ainda hoje, embora misture aspectos direcionais (transversal), azimutais (reversa), geométricos (linear, parabólica) e genéticos (blowout). A rigor, tanto o tipo A da figura 3, designado ‘’ transversal ’’, como B e C possuem eixo maior transversal ao vento efetivo. O tipo A é tão ou mais linear do que D, estando a diferença entre eles na orientação da crista em relação ao vento efetivo. A geometria parabólica também não é exclusiva do tipo assim designado (G), podendo ocorrer, com menor relação comprimento/largura, no tipo H. A passagem entre A e B é transicional, sendo os dois tipos referidos em conjunto como cordões crescênticos.
  Os tipos de dunas mais universais, isto é, com ocorrência tanto em desertos como em áreas costeiras úmidas, são as de orientação transversal ao sentido de fluxo eólico principal: transversais sensu stricto (figura 3A ), barcanóides       (figura 3 B) e barcanas (figura 3 C). A geometria da crista nestas dunas aumenta de sinuosidade das dunas transversais para as barcanas isoladas ou lateralmente coalescidas (barcanóides). As dunas transversais sãomegaformas

eólicas de crista e perfil de sotavento aproximadamente retilíneos, com orientação, ortogonal ao vento efetivo, pouco variável ao longo da sua extensão. Direções de vento diferentes da modal seriam predominantemente a ela perpendicular o que contribuiria para manter a linearidade da crista e da face sotavento. Cadeias barcanóides e barcanas são formas de leito eólicas influenciadas por pequenos desvios do vento em relação ao azimute principal. Estes desvios são supostamente os responsáveis pelo desenvolvimento de      ‘’elementos longitudinais’’ (Brookfield, 1977) ou ‘’ extensões lineares’’, (Martinho et al., 2004), projeções ou cúspides que caracterizam a geometria em plana das cadeias barcanóides e que possuem orientação grosso moto coincidente com a dos ventos mais efetivos. Nos grandes mares de areia da África, cadeias barcanóides com desenvolvimento proeminente de extensões lineares são denominadas aklé (Collinson& Thompson, 1982).
  Dunas alongadas, com duas direções de faces de avalancha alternadas ao longo de seu comprimento, são designadas seif, ‘’ lineares’’ ou ‘’longitudenais’’. Embora consagrados, os termos entre aspas guardam imprecisões: esta forma não é de avalancha corresponde certa sinuosidade na crista; nem é meramente longitudinal, uma vez que o dois rumo de vento atuante na formação das faces de avalancha corresponde certas sinuosidade na crista; nem é meramente longitudinal, uma vez que os dois rumos de vento atuantes na formação das faces de avalancha podem possuir ângulo de mais de 15° em relação à crista. São exclusivas de ergs, ocorrendo, por exemplo, nos desertos do Saara, da Arábia
e da Namíbia. As formas em estrela formam-se pela interação de ventos com sentidos de fluxo variados, e as reversas, através da alternância de fluxos eólicos opostos. As dunas parabólicas (em forma de U) e os blowouts (elípticas em planta, com escavação central em forma de prato) são controlados por estabilização parcial ligada à existência de vegetação e/ou nível freático alto, daí sua ocorrência quase exclusiva em campos de dunas de áreas úmidas. Também controladas por vegetação e/ou umidade são as duas dômicas, caracterizadas pela forma circular ou elíptica em planta, sem faces de avalancha evidentes.
  Em ergs livres da influência direta da vegetação e da interferência de sistemas deposicionais vizinhos (aluviais ou costeiros, por exemplo), a geometria e as dimensões de formas de leito eólicas estabelecem-se em equilíbrio com variáveis relativas à energia e orientação do vento e ao volume e granulação do aporte sedimentar. A complexidade do regime eólico mede-se pelo índice de variabilidade direcional do vento, que é a relação entre a magnetude do vetor resultante de deriva eólica potencial e a soma escalar total da mesma deriva em todas as direções da ação do vento. A deriva eólica potencial (DEP), em dado azimute e intervalo de tempo, é diretamente proporcional á frequência de ocorrência e ao quadrado da velocidade do vento (Langsberg, 1956 apud Goldosmith, 1978; Lettau & Lettau, 1975 apud Fryberger, 1979). Com base nesse princípio, tem-se procurado inferir quais são as formas de dunas ou draas estáveis sob diferentes condições combinadas específicas de volume de sedimentos e complexidade ou variabilidade do regime eólico (McKee, 1979; Wasson & Hyde, 1983; Lancaster, 1995; Pye & Tsoar, 1990). O volume, controlado pela relação aporte/energia ( ou influxo/ efluxo, conforme item 3), é medido através da espessura equivalente de areia.
  De acordo com os resultados obtidos por aqueles autores, dunas e cordões crescênticos (cadeias barcanóides e dunas lineares transversais), são características de regime eólico pouco complexo, com índice de variabilidade superior a 0,5. Dentro desta categoria de dunas, o aumento gradual de suprimento é capaz de converter barcanas em cordões crescênticos simples e estes em cordões crescênticos superpostos (draas compostos).
  Cordões crescênticos formam-se índices de variedade direcionais mais baixos (0,5 a 0,7) que barcanas (0,75 a 0,9). Os de baixa sinuosidade, equivalentes às dunas transversais clássicas, seriam favorecidos pela elevação do aporte relativo à energia (McKee, 1979; Giannini, 1993; Giannini & Santos, 1994).
  As dunas seif formam-se em porções do erg com relação suprimento/energia baixa e regime eólico complexo (índice de variabilidade direcinal entre 0,15 e 0,4). Este regime caracteriza-se pela alternância de dois ventos dominantes ligeiramente oblíquos à crista, com até 120° de diferença de azimute, o que se reflete na atitude espacial das faces de avalancha.
  Formas de dunas podem se influenciadas ou determinadas também por vegetação e interferência de sistemas deposicionais vizinhos. No campo de dunas móveis que se estende de Santa Marta e Campo Bom (Laguna e Jaguaruna, SC), a ocorrência exclusiva de dunas transversiveis junto à praia é questão não somente de proximidade da área fonte, mas também da linearização das interdunas por inundação via ondas de tempestade (Giannini, 1993; Giannini & Santos, 1994). Outro exemplo é dado pelos zibars, cuja formação é condicionada pela presença de areia grossa, sob diferentes taxas de aporte eólico. Já entre os depósitos eólicos determinados pela presença de residuias, areias vegetadas,areias com estratificações cruzadas truncadas, areias maciças com ou sem microondulações, depósitos lacustres e sabkhas ou playas. Os quatro primeiros podem ser encontrados também nas planícies interdunas costeiras de clima subúmudo, como as do Sul do Brasil ( Tomazelli, 1990; Giannini, 1993).


  Uma das primeiras tentativas de abordar a questão do tamanho das ondulações eólicas sob seu lado genético foi a de Brookfield (1997), ao estender os princípios de hierarquia de formas de leito subaquosas de Allen (1968) ao contexto eólico.     Segundo estes princípios, formas de leito eólicas menores de mesma hierarquia ou de hierarquia imediatamente superior. A superposição de formas de leito eólicas de mesma hierarquia pressupõe o entulhamento progressivo das superfícies aproximadamente planas que separam ondulações vizinhas (superfícies inter0ôndulas, interdunas e interdraas, na ordem crescente de hierarquia). A superposição de dunas leva à formação de feições eólicas de dimensões maiores, e, seu conjunto genericamente denominado draas (Wilson, 1972; Kocurek, 1981 e 1996) ou macroformas eólicas (Jackson, 1975). Desse modo, o balanço sedimentar entre as superfícies interdunas e as dunas determinam um aspecto morfodinâmico essencial do erg: a formação e desenvolvimento de draas.
  Formas de leito eólicas crescem enquanto não for atingido o equilíbrio entre suas dimenssões e as condições de deriva eólica potencial (item 4.1) e suprimento sedimentar (Wilson, 1972). Uma vez alcançado este equilíbrio, e mantidas as mesmas condições, as formas passam apenas a migrar. A falta de qualquer uma das condições impossibilita a permanência de dunas ativas. Por outro lado, se ambas as condições forem satisfeitas, mas se o suprimento for maior que a capacidade de deriva do vento a taxa de deposição torna-se maior que a de migração das dunas e estas passam primeiro a entulhar as planícies interdunas, transformando-se em depressões, e depois a empilhar-se umas às outras nos fenômenos conhecidos como superposição (overlapping: McKee, 1982 e 1983; Rubin & Hunter, 1982; Short, 1988). Embora nem sempre explícita na leitura, uma distinção deve ser feita entre estes dois termos,  uma vez admitida a conveniência de que o termo cavalgamento tenha aqui exatamente o mesmo significado  de quando utilizado na descrição de marcas onduladas subaquosas e eólicas. Desse modo, enquanto a superposição se aplica a formas de hierarquia distinta (por exemplo, dunas sobre draas), o cavalgamento refere-se especificamente a formas de leito de mesma hierarquia e geometria. Reconhece-se ainda a possibilidade de haver coalescência ou fusão lateral de formas de leito, como no caso de várias barcanas formando um cordão crescêntico  ou cadeia barcanóide.
  De acordo com Lancaster (1998), draas são o resultado de interação de dunas, formadas durante e após a individualização da macroforma. Dunas coalescentes podem ser consideradas como formadora primaria do draa, cuja morfologia superficial é em seguida modificada por dunas superpostas. A migração e cavalgamento destas dunas estimulam o crescimento vertical do draa. Segundo o mesmo autor, existe um tamanho relativo mínimo para que uma duna ou draa possa ser superposta por formas menores, fato sugerido empiricamente por medidas em dunas de mesmo tipo e região realizadas por Wilson (1972). Por outro lado, o espectro de dimensões de dunas simples e superpostas, baseado em amostras  de dados menos restritos, é contínuo. Isto indica, de acordo com Lancaster (1998), que a transformação de uma duna em draa ocorra como simples questão de tempo, desde que mantido um saldo positivo no aporte de areia. Uma vez formado através deste processo, o draa pode crescer em maior ou menos celocidade, em função de mecanismos de superposição e cavalgamento de formas de leito, em especial os ocorridos no flanco de sotavento. Segundo o autor, quanto maior o ângulo da superfície de cavalgamento, mais rápido é o crescimento vertical do draa.
  A partir dos trabalhos de MecKee (1979, 1982, 1983), pode-se reconhecer dois critérios para classificar os tipos de superposição e/ou fusão de dunas (tipos de draas). O primeiro critério é a morfologia das formas de leito individuais. De acordo com este critéio, a superposição/fusão pode ser composta, quando produzida entre dunas de mesmo tipo morfológico, ou complexa, quando gerada entre dunas de tipos diferentes.
  O segundo critério para classificar tipos de fusão/superposição de dunas é a presença ou não de obstáculos fixos de qualquer natureza, os quais funcionam como barreira natural ao vento efetivo, criando um excesso localizado de suprimento sedimentar (McKee, 1982 e 1983). De acordo com este critério, o primeiro tipo ocorre no lado barlavento de obstáculos fixos. O segundo tipo, sem obstáculo, associa-se a um desequilíbrio  quantitativo entre aporte de areia e competência do vento e/ou à convergência ou interferência de ventos simultâneos de direções diversas (McKee, 1982). Incluem-se, entre os exemplos de draas, as dunas estreladas (star dunes) no topo de cordões longitudinais em áreas de regime eólico multidirecional (McKee, 1982), as barcanas ligadas lateralmente compondo cadeias barcanóides longitudinais (Mckee & Tibbits, 1964) ou travessias, as barcanas ou barcanóides empilhadas sucessivamente resultando em draas compostos com morfologia “em telha” (shingle structure: McKee 1982 e 1983), as cadeias transversais lineares a barcanóides sobre draas parabólicos (Blarasin & Sánches, 1987; Short, 1988; Tomazelli, 1990; Giannini, 1993) e o encavalamento de cordões transversais barcanóides, com redução da distancia interdunas (McKee, 1982, 1983). Deve-se ressaltar que partes das dunas com obstáculo fixo não se limita a superpor-se a depósitos eólicos ativos, em migração, pois encobre o próprio anteparo fixo. Dunas com esta particularidade já foram referidas por Bigarella (1975) no litoral catarinense sob a designação de  dunas de captação. Depósitos eólicos nos flancos ou no topo de obstáculos fixos têm sido também reconhecidos na Austrália, onde são denominados respectivamente sand ramps (Short, 1988) e Cliff-top dunes (Jannings, 1967) ou perched dunes (Semeniuk etal., 1989) termos que podem ser traduzidos como rampas de areia, dunas de topo de escarpa e dunas empoleiradas, respectivamente.



   A monotonia faciológica aparente dos sistemas deposicionais eólicos (Fisher, 1983) torna conveniente adotar uma perspectiva que realce suas grandes descontinuidades físicas, como as superfícies de Talbot (1985), resultantes de interrupções e mudanças bruscas na deposição. O estudo de dinâmica de acumulo, erosão e preservação de sistemas eólicos, baseado na análise de superfícies de descontinuidade física e na sua correlação com mudanças globais e bacinais ligadas a eustasia e tectônica, é condizente com o modelo conceitual da estratigrafia de sequencias, maior paradigma da estratigrafia moderna (Giannini ET AL., 2001). A estratigrafia de sequencias foi, entretanto, concebida para sistemas marinhos, o que torna necessária a criação de um arcabouço conceitual que adapte ao caso eólico. Propostas recentes feitas nesse sentido (Kocurek & Havholm, 1993; Havhom ET AL.; 1993; Havhom & Kocurek, 1994) centram seu enfoque nos fatores estabilizadores do sistema eólico, com destaque para a posição do nível freático relativa à superfície deposicional, controlada basicamente pelo clima, pela taxa de subsidência e, nos casos costeiros, pelo nível relativo do mar (NRM). Outro aspecto da influencia  do nível freático na dinâmica do sistema eólico, segundo os mesmos autores, é que sua elevação, logo após a acumulação, é condição necessária para a preservação dos depósitos eólicos.


  Na tentativa de modelar sistemas deposicionais eólicos de acordo com o arcabouço conceitual da estratigrafia de sequencias, Kocurek & Havhlom (1993) descrevem o sistema eólico em função de dois aspectos: os volumes de entrada e saída de sedimentos e a relação entre o nível freático e a superfície deposicional. Em relação ao primeiro aspecto, o fluxo de entrada de sedimentos (Qi), ou influxo (influx), seria função do suprimento sedimentar a partir de fonte externa e da capacidade de transporte eólico. O fluxo de saída (Qe), ou efluxo (outflux), dependeria do espaço disponível para o armazenamento de sedimentos e da capacidade de transporte eólico no sistema. Na linguagem mais comumente utilizada no estudo de regimes de ventos e dunas recentes, o influxo equivale a deriva eólica efetiva, o DEE (Frybeger, 1979), que resulta da coexistência de deriva eólica potencial (DEP) com estoque sedimentar.
  Com relação no segundo aspecto explorado no modelo de Kocurek & Havholm (1993), a analise das relações entre nível freático e superfície deposicional, torna-se necessário lançar mão de alguns conceitos adicionai, como acumulação, espaço de acumulação, altura de equilíbrio, preservação e espaço de preservação, os quais teriam pouca utilidade no estudo de sistemas marinhos. As definições que se seguem são baseadas na análise do uso destes conceitos por aqueles autores. A acumulação é o mecanismo pelo qual os sedimentos depositados ao longo do tempo constituem um corpo tridimensional de estratos. O espaço de acumulação é a parcela do espaço de acomodação que e preenchida por depósitos sedimentares. Seu limite superior é a altura de equilíbrio, a qual pode ser definida como a altura, acima da superfície deposicional, até a qual é possível haver aprisionamento de sedimentos no sistema. Nos sistemas marinhos, esta altura coincide com o nível do mar. Nos eólicos, ela encontra-se no nível acima do qual a velocidade do vento é suficientemente alta para carrear todo sedimento e para que o saldo de sedimentos no sistema seja nulo, ou seja, Qi – Qe. A preservação é a incorporação da acumulação ao registro estratigráfico. O espaço de preservação é a parcela do espaço de acumulação que se incorpora no registro. Seu limite superior é o nível de base de erosão. Nos sistemas marinhos, o nível de base de erosão coincite com o nível do mar e, portanto, o espaço de preservação equivale ao espaço de acumulação. Nos sistemas eólicos, o nível de base é determinado, numa primeira aproximação, pelo nível freático, e, portanto só coincide com o nível do mar em casos específicos. A ideia de um espaço de acomodação sensu stricto, onde o sedimento se acumula e se preserva não se aplica ao caso eólico.
  Apesar de geralmente não se coincidirem, nível do mar (nível de base em sistemas costeiros) e nível freático (nível de base em sistemas eólicos) possui dinâmicas diretamente relacionadas entre si. Esta relação é tão mais evidente quando mais próximo da costa estiver o sistema eólico. No entanto, o nível freático não equivale ao nível do mar em termos de influencia na sedimentação, pois define apenas o limite inferior potencial da erosão eólica e não determina diretamente a sedimentação eólica da mesma forma que faz o nível do mar em relação á sedimentação em sistemas marinhos ou costeiros. Além disso, adotar o nível freático como nível de base da erosão em sistemas eólicos pressupõe que acima do freático a erosão predomina sobre a deposição (acumulação), o que nem sempre se verifica (Sawakuchi, 2003). Desse modo, o nível freático configura-se mais com o nível de estabilização sistema eólico de que como nível de base de erosão. A proximidade entre lençol freático e superfície deposicional determina os processos ou fatores de estabilização de sistemas eólicos, os quais têm importância central na classificação destes sistemas, segundo Kocurek &Havholm (1993).


  Amplas descontinuidades físicas associadas a períodos de não-acumulação ou de erosão do sistema eólico foram denominadas por Talbot (1985) super-superfícies. Sua gênese seria controlada principalmente pelo comportamento do nível freático do regime de fluxo eólico. Kocurek & Havholm (1993) classificam as super-superfícies em instabilizadas e estabilizadas, conforme seu substrato esteja disponível ou não, respectivamente, para o retrabalhamento eólico. 
  As super-superfícies instabilizadas subdividem-se em secas e úmidas. As secas Formam-se quando o ângulo de cavalgamento das formas de leito for negativo, o que implica erosão, oi igual a zero, o que significa simples trânsito de dunas (bypass), sem acumulação nem erosão (Rubin, 1987 apud Kocurek & Havholm, 1993). A formação de super-superfícies úmidas pressupõe queda do nível freático juntamente com processos de deflação. Nestas condições, o potencial de deflação é comumente maior que a taxa de queda do nível freático, o que propicia a formação de superfícies de erosão úmidas.
  As super-superfícies estabilizadas também podem ser secas ou úmidas. As secas formam-se com o desenvolvimento de depósitos de cascalho residual (lags), enquanto as úmidas associam-se ao aparecimento de vegetação ou cimentação precoce ligada á subida do nível freático.
  A identificação de super-superfícies no registro geológico é difícil, especialmente em depósitos de sistemas eólicos úmidos, onde se confundem com superfícies interdunas comuns. Voltados para este problema, Kocurek & Havholm (1993) reuniram seis critérios auxiliares para seu reconhecimento: 1. Diferentes estilos de estratos cruzados acima e abaixo da superfície em questão, sugerindo acumulação sob condições distintas; 2. Grande extensão em área (centenas de metros a quilômetros); 3. Feições pós-deposicionais diferentes daquelas das demais superfícies de truncamento eólicas; 4. Truncamento de acumulações de campos de dunas inteiros em oposição a superfícies que recobrem formas de leito simples; 5. Correlação com superfícies que marcam eventos importantes de bacia, tais como transgressões marinhas e derrames de lava (caso do topo da formação Botucatu, Bacia do Paraná); geometria horizontal, em truncamento sobre superfícies inclinadas formadas pela migração de formas de leito.
  Em um paralelo com a estratigrafia de sequências clássica, as super-superfícies são superfícies chaves para subdivisão dos depósitos eólicos e possuem, portanto, pelo menos potencialmente, o mesmo status, em importância, que os limites de sequências. No entanto admitem mais de um modo de formação. Assim, ainda não se conhece claramente a influência do nível do mar em sua gênese, o que tem dificultado o estabelecimento da relação entre sequências deposicionais eólicas e marinhas.
  A correlação entre sequências deposicionais eólicas costeiras e marinhas é dificultada pela possibilidade de não correspondência entre variações do nível do mar e variações do nível freático. Kocurek ET AL. (2001) utilizaram uma equação de difusão para simular a propagação em meio poroso das oscilações do nível freático induzidas por variações do nível do mar. As mudanças do nível freático induzidas por variações do nível do mar seriam função da condutividade hidráulica e espessura do meio poroso, da taxa de variação do nível do mar e da distância da linha da costa. Segundo este modelo, a correspondência entre nível freático e nível do mar é favorecida pelo aumento da espessura e do meio poroso e pela diminuição da taxa de variação do nível do mar. O distanciamento da linha de costa, a diminuição da espessura por meio poroso e/ou o aumento da taxa de variação do nível do mar (oscilações de alta frequência) geram redução da amplitude de defasagem temporal das variações do nível freático. Desta forma, a correlação entre super-superfícies geradas em contexto distintas pode ser complexa.


  Kocurek e Havholm (1993) classificam os sistemas eólicos. Segundo os fatores que provocam sua estabilização, em secos, úmidos e estabilizados. O principal fator de classificação é a posição do nível freático e sua franja de capilaridade em relação a superfície deposicional.
  Sistemas eólicos secos caracterizam-se por nível freático e franja de capilaridade abaixo da superfície deposicional, com constante disponibilidade de areia incoesa para o transporte pelo vento. Os processos de erosão e estabilização do sistema seriam dependentes de fatores aerodinâmicos e do aporte sedimentar. Entre duas situações extremas de aporte, do baixo ao elevado, os sistemas eólicos secos podem variar desde dunas isoladas que migram sobre um substrato deflacionar até mares de areia dominados por campos de dunas. No primeiro caso, as dunas alternam-se com amplas planícies interdunas. No segundo caso, a escassez de água favorece a incoesão dos sedimentos, inclusive nas planícies interdunas, e torna-se áreas favoráveis à erosão e reposição pelo vento. As planícies interdunas, assim assoreadas por areia eólica, transformam-se em depressões interdunas (cavas entre dunas sucessivas).
  A transformação das planícies interdunas em depressões interdunas é condição necessária à acumulação neste tipo de sistema eólico, uma vez que o processo de acumulação só se inicia quando houver cavalgamento (climbing), em ângulo positivo, entre sucessivas formas de leito. Assim, cada duna é soterrada pela duna subsequente rapidamente, sem erosão completa de seus depósitos. Como consequência disto, é rara a presença no registro estratigráfico de depósitos de planícies interdunas em meio a sistemas eólicos secos, como exemplificado na formação Botucatu (Donatti ET AL.; 2001; 2002).
  O término da acumulação nos sistemas eólicos secos pode ocorrer por queda de aporte ou quando o depósito atingir altura tal que não haja mais condição para desaceleração do vento (perda de fluxo). O limite espacial máximo superior para a acumulação (altura de equilíbrio) é determinado, portanto, por fatores aerodinâmicos.
  Nos sistemas eólicos úmidos, o nível freático e sua franja de capilaridade encontram-se aflorantes ou próximos (até poucos metros) da superfície deposicional. A presença de água diminui o potencial erosivo e a quantidade de sedimentos que podem ser transportados pelo vento (deriva eólica efetiva ou DEE: item 3.1). Desse modo, os mecanismos responsáveis pela dinâmica das formas de leito e estabilização do sistema não são controlados unicamente por fatores aerodinâmicos. A redução do potencial erosivo devido à presença de água na superfície explica a preservação de depósitos de interdunas  nestes sistemas ou mesmo o aparecimento de sabkhas e outras associações de fácies subaquosas (Kocurek & Havholm, 1993). Outra decorrência da menor quantidade de sedimentos incoesos, potencialmente transportados pelo vento, é o menor tamanho das dunas.
  A relação entre os tipos de sistemas, seco ou úmido, e o clima não e de unicidade. Segundo Kocurek & Havholm (1993), a transição de um sistema eólico úmido e deste para um sistema eólico seco poderia ser descrita em termos do suprimento de sedimentos. Desse modo, é possível existir sistemas eólicos secos, sob clima úmido, desde que o aporte se torne muito elevado. A presença de água próxima a superfície e regida pelo comportamento do nível freático, que é controlado não somente pelo clima, mas pela taxa de subsidência e, em sistemas eólicos costeiros, pelo nível do mar. No caso costeiro, portanto, é possível haver também sistema eólico úmido, sob clima seco.
  O terceiro tipo de sistema eólico, na classificação de Kocurek & Havholm (1993), é chamado sistema eólico estabilizado. Sua característica diagnóstica é a ação de fatores estabilizadores que atuam simultaneamente ao transporte, deposição e acumulação de sedimentos, sem afetar o sistema como todo. Estes fatores possuem assim caráter tipicamente local. Incluem vegetação, cimentação, filmes de lama e depósitos residuais de cascalho. O critério usado pelos autores na individualização deste tipo de sistema é diferente do critério de proximidade do lençol freático utilizado na distinção entre sistemas eólicos secos e úmidos. Trata-se, portanto, a rigor, de classificações complementares, pois os sistemas eólicos estabilizados também podem ser classificados, ao mesmo tempo, como úmidos ou secos, na dependência da natureza dos fatores estabilizadores. É como se desenvolvessem super-superfícies úmidas ou secas (item 3.2), porém de extensão restrita. Além disso, para que estes fatores prevaleçam sobre a deposição, deve haver queda do aporte eólico. Desse modo, sistemas eólicos estabilizados parecem representar mais um estágio de desenvolvimento do que propriamente uma classe independente de sistema eólico.


 A abordagem processo-resposta ou processo-produto, partindo do detalhe para chegar ao topo, é apropriada à descrição de sistemas deposicionais, á medida que permite vislumbrar passo a passo a construção e funcionamento do sistema.   Adotado este enfoque para a compreensão do sistema eólico, o primeiro passo é analisar o tijolo de construção dos depósitos arenosos: as bases e peculiaridades físicas do vento como agente transportador, seus mecanismos preferenciais de carreamento de areia, capazes de explicar muitas das características físicas, geralmente microscópicas, de grão individual (texturas) e de orientação espacial relativa entre grãos (petrotramas). O segundo passo e a análise da interação entre vento e substrato arenoso, de modo a conhecer os mecanismos de deposição coletiva dominada por tração (dinâmica de ondas e carpete de tração), decantação (quebra de grãos) ou fluxo gravitacional incoesivo (fluxo de grãos) ou coesivo (escorregamentos de areia úmida). Neste estágio, é possível entender a organização dos grãos no espaço mesoscópico, materializada por geometrias deposicionais (estruturas sedimentares) de escala milimétrica a submétrica. O terceiro passo é a analise da dinâmica de dunas e de draas, e o entendimento das estruturas sedimentares de escala maior, incluindo series de estratificações cruzadas e suas superfícies de truncamento.


  As características mais distintas do vento como agente transportador de grãos  individuais,  em relação à corrente subaquosa, são as menores viscosidade e densidade do meio. Estas características têm pelo menos três implicações imediatas: 1. A densidade efetiva do grão (densidade do grão menos densidade do meio) é maior no ar; 2. A tensão cisalhante do ar, função direta de sua viscosidade, é mais fraca; e 3. A fricção entre grãos no leito tende a ser maior no ar. Assim, para colocar um grão em movimento, o vento deve enfrentar maiores resistências inercial (de corpo, ligada à densidade) e friccional (de superfície, ligada à viscosidade) que a água. Isto significa que, para um mesmo grão, a velocidade critica de transporte é muito maior no ar do que no meio aquoso. Como a baixa viscosidade do ar favorece o fluxo turbulento, a velocidade critica para transportar areia é suficientemente elevada para gerar turbulência. Assim, o ar em movimento tem facilidade de penetrar por entre os grãos do leito arenoso e com eles interagir através da formação de células de turbulência. O aumento  da tensão resultante para cima que caracteriza o fluxo turbulento é suficientemente para que maior parte dos grãos entre diretamente em movimento por mecanismos de saltação ou mesmo de suspensão, tão logo atingida a velocidade critica. Aos mecanismos de rastejo (arraste mais rolamento) cabe apenas papel subordinado, restrito às granulações entre areia média e grânulo.
 Uma vez vencida a velocidade critica, o vento tem grande capacidade de sustentação do transporte. A saltação implica impactos dos grãos contra o leito granular, o que reduz a velocidade critica efetiva e induz uma hierarquia menor de saltações, denominadas ejecções (Anderson, 1987) ou reptações (Lancaster, 1995).   Paralelamente, a vocação do vento para a turbulência favorece a manutenção da poeira síltico-argilosa em suspenção. Ventos de apenas 18 a 36 km/h são suficientes para manter o sílte grosso suspenso enquanto as condições de turbulência perdurarem. É desse modo que entre 1 e 4 toneladas de poeira eólica do Deserto do Saara são levadas anualmente ao Oceano Atlântico (Fritz & Moore, 1988).
  A competência do vento na erosão e no transporte de areia depende da sua velocidade, a qual pode ser controlada por gradientes de pressão, pode variar muito mais rapidamente que uma corrente fluvial ou de maré, por exemplo. As oscilações rápidas de velocidade do ar, com produção de rajadas, fazem com que sua competência, altamente seletiva, e/ou seu tipo de processo deposicional variem em questão de segundos. Este comportamento reflete-se na deposição sucessiva de lâminas de grãos de diferentes tamanhos, com excelente seleção granulométrica por lâmina.
  Na escala de microscopia petrográfica, a petrograma de linhas paralelas de grãos, com duas modas granulométricas bem definidas, e com ausência da população intermediaria, é uma característica distintiva clássica de areias depositadas pelo vento (bagnold, 1941, folk, 1968 apud taira & scholle, 1979, glennie, 1970). A petrotrama bimodal, todavia, não é exclusiva de depósitos eólicos. Quando formada em frente de duna, por exemplo, ela é mais aparente no caso subaquoso de que no subaéreo, talvez por causa da melhor seleção prévia das areias em dunas eólicas.
  A explicação mais aceita para a ausência da população intermediaria entre as duas modas eólicas é a Bagnold (1941), segundo a qual esta população, por ser grossa demais para saltar e ao mesmo tempo fina demais para rolar livremente, acabaria retida nos obstáculos e não alcançaria os depósitos arenosos do sistema eólico. Assim, os exemplos mais evidentes de bimodalidade granulométrica eólica ocorrem em ondulações sem faces de avalancha (Taira & Scholle,1979), típicas de interdunas e lençóis de areia. Nestas formas de leito, o rolamento de grãos pode ser tão importante quanto a saltação e a suspensão de finos, o que acentua a bimodalidade. Por outro lado, a segregação granular nestes depósitos não é tão regular quanto nas frentes de dunas (Hunter, 1977).
  Sob o aspecto do arredondamento e da textura superficial dos grãos de areia, a baixa viscosidade do ar também tem papel determinante na produção de feições diagnosticas de transporte eólico. O impacto subaéreo entre grãos de areia quartzosa, menos amortecido que no meio aquoso, tem poder abrasivo e arredondador particular. Kuenen (1960 apud Friedman & Sanders, 1978) calculou que a perda de peso de grãos de quartzo por abrasão é 100 a 1.000 vezes maior no transporte eólico que no fluvial. Entretanto, a maior facilidade do  vento em produzir grãos arredondados não se deve somente à abrasão mais intensa, mas também ao tempo de desgaste (Bigarella, 1972 e 1973) e ao transporte seletivo preferencial de grãos mais esféricos e arredondados por saltação (Beal & Sherpad,1956; Sherpad & Young, 1961; Mazzulo ET AL .,1986). Na escala de detalhe de grão, o efeito mais proeminente da abrasão subaérea é a retirada de lascas de granulação silte fino (Nieter & Kirinslay, 1976) e a produção de efeitos superficiais típicas, mas não exclusivas, de impacto subaéreo, mais apropriadamente observado por microscopia eletrônica de varredura. Estas feições incluem pequenas fraturas conchoidais, degraus de arco, crateras discoides e placas deslocadas (Culver ET AL., 1983), estas duas ultimas encontradas em areias de desertos, mas não em dudas de costas úmidas (Krinsley & Donahue, 1968). O impacto sucessivo por transporte eólico prolongado torna a superficie dos grãos de areia inteiramente tomada por feições desses tipos. O efeito óptico é a intensa difusão da luz, em detrimento da reflexão e da refração, o que, no exame por microscopia de luz incide, traduz-se em aspecto superficial fosco. Como a textura fosca não é comum em dunas costeiras (Shepard & Young, 1961), acredita-se que o tempo ou distância de atuação do transporte tenha importância fundamental no seu desenvolvimento. Alem disso, a abrasão mecânica não é o único fator determinante da textura fosca em areias eólicas, uma vez que a dissolução química em condições subaéreas produz texturas superficiais similares (Kuenen, 1960 apud Friedman & Sanders, 1978; Bigarella ET AL., 1969).


  O predomínio dos mecanismos de saltação e suspensão e o caráter subordinado do transporte trativo sensu stricto na deposição eólica têm como consequência prática a inexistência de formas de leito plano, comparáveis às da deposição subaquosa. O leito plano aparece mais como forma residual erosiva, associada a ventos de velocidade elevada (maior de 60 km/h). O leito plano eólico não é uma forma de leito estável porque uma hora de rajada violenta é suficiente para produzir ondulações (Hunter, 1977) de altura submétrica, sem face de avalancha (protodunas). O vento afirma-se assim como exímio formador de ondulas e mega ondulações (dunas e protodunas). Na escala menor, o cavalgamento de microondulações constitui um dos quatro mecanismos básicos de transporte e deposição eólica. Os outros três são a queda de grãos, os fluxos de escorregamentos de areia e o carpete de tração.


  O papel preponderante desempenhado pela saltação e suspensão na deposição eólica, em detrimento dos mecanismos trativos “aplainadores”, favorece a preservação das cristas e do lado barvalento das marcas onduladas, que apresentam assim facilidade para cavalgar (formação de climbing ripples, no sentido de Alen, 1970 ou Hunter, 1977), bem como para preservar bifurcações em plana nítidas. Nesse ponto, a baixa viscosidade do ar aparece, mais uma vez, como fator decisivo nas características da deposição pelo vento: em plana nítidas.Nesse ponto, a baixa viscosidade do ar aparece, mais uma vez, como fator decisivo nas características da deposição pelo vento: em virtude da viscosidade baixa, o impacto dos grãos de areia em movimento com o lado exposto (barlavento) da ondula é mais intenso que na água. A primeira consequência é que o grau médio de achatamento das marcas onduladas eólicas, avaliado através do índice de ondula ( ripple índex: quociente entre o comprimento de onda e a altura), resulta maior que o das subaquosas. O índice de ondula elevado configura-se como umas das características diagnosticam de deposição pelo vento, em escala de microestrutura (Tanner, 1967; Hunter, 1977; McKee, 1979). Indices de ondula entre 10 e 15 ocorrem tanto em areias subaquosas como eólicas, porem enquanto valores abaixo desse intervalo são exclusivos de deposição subaquosa, valores acima só se formam pela ação do vento (Lancaster, 1995). A segunda consequência do impacto subaéreo de grãos é a tendência para erosão parcial do lado barlavento da marca ondulada. Com isso, o tipo de cavalgamento mais comum no caso eólico é aquele em que o ângulo de cavalgamento é menor ou igual ao ângulo do flanco barlavento (tipos subcríticos e critico na classificação de Hunter, 1977). Como a migração continua de marcas onduladas, sem erosão, depende da manutenção das condições de energia de vento e como as areias eólicas apresentam geralmente boa seleção granulométrica previa, a granulaçao das sucessivas linhas de avanço de marcas onduladas (linhas de tempo) é muito similar. Elas podem passar despercebidas no exame de afloramento e mesmo ao microscópico petrográfico. Tem-se assim uma variedade especifica de laminação cavalgante, típica de depósitos eólicos, em que as superfícies de cavalgamento, e não as frentes de marcas onduladas (ripple-foreset crosslaminae de Hunter, 1977), são as menores estratificações visíveis (laminações no sentido de Campbell, 1967). Este tipo de estrutura é também conhecido como pseudo-acabamento (pseudo-bedding: Mckee, 1939), pseudo-estratificaçao (pseudo-strata: Hunter, 1974), estratificação de cavalgamento translatente (clibing translatent stratification: Hunter, 1977) ou pseudoripple (Kocurek & Dott, 1981), em alusão ao fato de que a superfície de cavalgamento não representa uma linha de tempo, em contraste ás superfícies de marca ondulada. Devido à tendência para a concentração de grãos maiores na crista de cada ondula, o alinhamento de cristas ao longo da pseudo-estratificaçao pode ser marcado por uma granulometria mais grossa e, às vezes, por gradação inversa (Fryberger & Shenk, 1988). Aparecem assim imediatamente acima da linha de grossos de pseudo-estrato subjacente.


  O segundo mecanismo de deposição pelo vento é a queda de grãos em suspensão livre (designado sedimentation, por Bagnold, 1941; e grainfall, por Hunter, 1977). Este mecanismo é particularmente importante no lado sotavento de dunas eólicas, onde a areia transportada em suspensão, oriunda da erosão do flanco barlavento e da crista da duna, encontra uma região hidrodinamicamente protegida e sofre rápida desaceleração. A deposição tende então a ser massiva, sendo por isso também designada chuva de grãos. Para cada rajada de vento, corresponde uma chuva de grãos, cuja granulometria, espessura e extensão lateral são diretamente proporcionais à velocidade da rajada (desde que não haja limitações de aporte). O processo cria lâminas tabulares com espessura de poucos grãos, exibindo seleção granulométrica interna apurada, e podem formar, ao acaso, tanto gradações inversas quanto normais (Hunter, 1977; Fryberger & Shenck, 1988). Para um mesmo episodio de queda de grãos, a granulometria afina ligueiramente a seleção aumenta com o distanciamento à crista (Taira & Scholle, 1979). As laminações eólicas de queda de grãos também possuem analogia com estruturas de origem subaquosa (jopling, 1964; 1966 apud Kocureck & Dott, 1981; Alen, 1965). Correspondem a “unidades de sedimentação” clássicas (sensu Otto, 1935), formadas através de flutuantes erráticas e instantâneas de velocidade.               




  Elementos diagnósticos clássicos de estratificações cruzadas de origem eólica são sua inclinação elevada (superior a 25º), ligada ao ângulo natural de repouso da areia no ar, e o grande porte das séries, em espessura e extensão, relacionado às dimensões gigantescas (decamétricas a quilométricas) de dunas e drass. O uso bem sucedido destes critérios pressupõe conhecer suas ressalvas e limitações: 1. Os ângulos de acumulação mais elevados das frentes de dunas eólicas, correspondentes aos depósitos de face de avalancha na sua porção superior, são justamente os de menor potencial de preservação no sistema; 2.em drass e grandes dunas de sistemas eólicos secos, as superfícies inclinadas de pé de flanco sotavento passam gradualmente para a zona interdunas por distancias de até centenas de metros, o que pode dar origem a extensas séries de estratificações cruzadas de ângulo de mergulho muito baixo e espessura métrica; 3. O ângulo de mergulho depende de variáveis texturais, de modo que o aumento da granulometria ou da angulosidade dos grãos pode gerar ângulos superiores a 25º mesmo em depósitos subaquosos; 4. Arenitos com séries de espessura até decamétrica podem ser encontrados também em depósitos de correntes de maré ou, mais raramente, fluviais; 5. A espessura das séries reflete não somente variáveis geométricas de deposição, como também de acúmulo e preservação, como o ângulo de cavalgamento (Rubin & Hunter, 1982). A conclusão que se pode extrair desta series de ressalvas é que o grande porte das séries e o ângulo de mergulho elevado das estratificações não são, isoladamente, feições exclusivas nem obrigatórias de depósitos eólicas. A  eficiência dos dois critérios cresce quando eles são utilizados combinados entre si ou com outras estruturas menores típicas do sistema deposicional eólico como as marcas onduladas de índice de ondula elevação (curled mud flakes), no topo de depósitos de interdunas úmida e, principalmente, a laminação risca de agulha.
  Desafio maior que a identificação da origem eólica das estratificações cruzadas é a distinção, a partir de características geométricas, do tipo de duna eólica que as originou. Como regra geral, a identificação segura da geometria da duna pressupõe caracterização detalhada da geometria das estratificações, incluindo idealmente medidas de azimute de mergulho.
  Nas dunas transversais clássicas, os flancos de sotavento de direção e mergulho pouco variávei refletem-se na geometria planar das estratificações cruzadas e na distribuição de freqüências de azimutes de mergulho unimodal, com dispersão na moda tipicamente inferior a 60º (McKee, 1979; Martinho, 2004; Martinho et al., 2004). A geometria subtabular, cuneiforme ou sigmóide de parte das séries de estratificações cruzadas, com adelgaçamento junto à crista, deve-se ao aumento descendente mais ou menos abrupto do ângulo de mergulho de superfícies de truncamento (McKee, 1979). Este aspecto pode estar relacionado ao cavalgamento de dunas transversais na face do sotavento de draa composto.
  Nas formas barcanas e barcanóides, a sinuosidade da crista faz com que o azimute de mergulho varie de até 120º ao longo da face de sotavento. As estratificações cruzadas resultam acanaladas, em séries lenticulares côncavo-côncavas. Em corte ortogonal ao paleovento afetivo, aparece o padrão festonado  típico (Brookfield, 1997). Em cadeias barcanóides costeiras de até 20m de altura, e Santa Catarina, Martinho et al. (2004) encontraram leve piora de seleção granulométrica no cume da face de sotavento, atribuída a mistura de populações de queda e fluxo de grãos.
  Nas dunas seif, a alternância de duas direções principais de ventos dominantes ligeiramente oblíquas à crista, com até 120º de diferença de azimute, reflete-se diretamente na atitude espacial das faces de avalancha. S séries de estratificações cruzadas, subtabulares e cuneiformes, apresentam padrão entrelaçado na zona correspondente à crista (encroachment deposit), com superfícies de truncamento em forma de letra Z (Bagnold, 1941; McKee & Tibbitts, 1964). Estruturas similares foram encontradas por Martinho et al. (2004) nas extensões lineares de cadeias barcanóides ativas na costa de Santa Catarina. Isto permite interpretar que as extensões lineares são formas alongadas semelhantes a dunas seif, não somente na orientação, subparalela ao vento mais efetivo, como também, possivelmente, no regime eólico formador.
  Pela maior expressão geomorfológica, as dunas parabólicas são as formas mais freqüentemente lembradas quando se fala em dunas com vegetação. Sua existência é indicada no registro menos por suas próprias estruturas que pela dos rastros lineares deixados por sua passagem. Além disso, confundem-se com outras feições eólicas costeiras que também podem exibir formas parabólicas, como as frentes ou lobos deposicionais de campos de dunas transgressivos. Estes lobos migram, sobre terreno vegetado, no rumo do vento efetivo por dezenas de metros a quilômetros de extensão, podendo alcanças dezenas de metros de altura. Suas estruturas internas consistem basicamente de estratificações cruzadas como rumo de mergulho das faces de avalancha variável em cerca de 120º. Nas partes laterais e frontais do lobo, encontram-se séries de estratificações cruzadas aproximadamente planares, parte delas com tangenciamento local no topo. Na base dos flancos, convoluções, atribuídas fluidificação, podem ocorrer (Martinho et al., 2004). No sistema eólico, assim como em outros sistemas com formas de leito gigantes, a dedução do tipo de forma de leito a partir da geometria das estratificações é complicada por um problema de escala: as obervações e medidas tomadas em afloramentos, podem referir-se a apenas uma pequena parcela da megaforma original e fornecer assim dados muito parciaise incompletos sobre sua geometria. O exemplo clássico é o das estratificações cruzadas acanaladas eólicas que, numa exposição limitada a menos de 20 ou 30 % de sua extensão total, aparentam a geometria de estratificações cruzadas planares. A desconsideração desta possibilidade de ilusão de escala pode conduzir a erros na interpretação do tipo de duna eólica correspondente.


  A origem das superfícies de truncamento de porte maior (bounding surfaces) em meio a depósitos eólicos tem-se mostrado assunto polêmico. Estruturas deste tipo, descritas originalmente por Stokes (1961, 1968), Phoenix (1963), McKee (1966) e Thompson (1969), consistem de superfícies planares ou convexas para cima, eventualmente demarcadas por uma linha de rudáceos  ou por cimentação ferruginosa. Segundo Stokes (1968), o espaçamento entre estas superfícies, que ele denominou “planos de truncamento paralelo múltiplo’ (multiple parallel truncation bedding planes), varia muito de um saco para outro, desde dezenas até menos de 1m, mas Tande a ser constante numa mesma formação. A explicação deste autor para a gênese de tais estruturas pode ser considerada clássica: os planos seriam gerados pela intercepção das superfícies deposicional pelo lençol freático através do efeito combinado de elevação do nível de água e de aumento de relação erosão/deposição. O umedecimento da areia superficial impediria o prosseguimento de processos erosivos, favorecendo o soterramento por novas sucessões eólicas.
  Entretanto, Brookfield (1997) notou que o modelo de Stokes (1968) não explica a forma planar da maioria das superfícies de separação maiores, a não ser que o lençol freático intercepte planícies interdunares formando sabkhas. Em virtude disso, sugeriu um mecanismo alternativo de formações destas superfícies de trruncamento, as quais ele denominou superfícies de 1ª ordem. Este mecanismo seria o cavalgamento de draas, onde as superfícies de 1ª ordem representariam os planos de cavalgamento.  Nesta hipótese, a preservação perene de superfícies de truncamento sucessivas requer elevação do nível de base, posterior ou concomitante à sua gênese, dependendo de controles geológicos regionais de longo prazo e não de variáveis imediatas de longo prazo e não de variáveis imediatas como aporte de areia ou nível freático.
  Em escala imediatamente menor, reconhece-se a existência de superfícies de 2ª ordem (Brookfield, 1977; Kocurek 1988), caracterizadas pelo mergulho suave para sotavento e pela posição entre sucessões submétricas de cruzadas tabulares. Quanto à origem, Brookfield (1977) descarta a relação com planos de deflação em frente dunar, proposta em princípio por Bagnold (1941)e McKee (1966), pois há notável regularidade de espaçamento e de mergulho. Seu processo formador seria o cavalgamento de formas de leito superpostas no flanco de sotavento de uma megaduna sem face de avalancha (Brookfield, 1977; Rubin & Hunter, 1982; Lancaster, 1988).
  Superfícies de 3ª ordem (Brookfield, 1977) são como as anteriores, planares ou curvas, porém em escala de delimitação de séries de laminas cruzadas (laminae sets). Estas superfícies truncam as laminações cruzadas abaixo e são co ncordantemente transgredidas elas laminações acima. Constituem-se assim em superfícies de reativação. Brookfield (1977) baseia-se na interpretação clássica que assi=ocia tais superfícies a flutuações rápidas de velocidade e direção do vento (McKee, 1966; Stokes, 1968) para considerá-las representativas de períodos de deflação atuantes sobre as formas de leitos menores. Esta deflação ocorreria de dois modos possíveis: por modificações regionais no regime de vento ou por mudança o mais longo prazo na configuração dunar.
  Kocurek (1981, 1988) propôs alterações no modelo de Brookfield (1977). De acordo com sua proposta, as superfícies de 1ª ordem podem formar-se também através da migração de interdunas sobre dunas. Neste caso, as superfícies de 1ª ordem não indicariam necessariamente a existência de draas implica apenas a formação de superfícies de 2ª ordem. Desse modo, em dunas simples cavalgantes, sem configuração de draa, as superfícies de 2ª ordem são ausentes e as de 3ª ordem podem ser truncadas diretamente pelas de 1ª.
  No interior das sucessões delimitadas por truncamentos de 3ª ordem, definem-se superfícies de laminação cruzada associadas a feições descritas sob designações diversas, mas de gênese primaria equivalente, tais como os “tipos (básicos) de estratificações eólicas” de Hunter (1977) e de Kocurek & Dott (1981), as “estruturas físicas de mesoescala” de White & Curran (1988) e a “laminação risca de agulha” de Fryberger & Schenk (1988). Estas laminações correspondem aos produtos dos processos de cavalgamento de ondulas, queda de grãos e fluxo de areia, discutidos no item 5.2.


  Os principais casos brasileiros de sistemas eólicos atuais ocorrem nas planícies costeiras, onde o vento retrabalha e redeposita areias dos sistemas litorâneos. Dada a proximidade entre lenços freáticos e superfície, são todos sistemas eólicos úmidos na classificação de Kocurek & Havholm (1993), apresentada no item 4. O exemplo mais notável é o do campo de dunas dos Lençóis Maranhenses, na planície costeira do Estado do Maranhão. Como a região apresenta de 4 a 6 meses secos, o nível freático oscila sazonalmente, o que resulta numa paisagem caracterizada por cadeias barcanóides com lagoas intermitentes nas áreas interdunas. Outros exemplos que merecem destaque são os campos de dunas costeiros do Rio Grande do Sul (Tomazelli, 1990), de Santa Catarina (Giannine, 1993), do Ceará (Claudino Salesv & Peulvast, 2001) e das planícies adjacentes à foz do Rio São Francisco, na região fronteiriça entre os estados Sergipe e Alagoas (Barbosa, 1997).
  Como não existem desertos atualmente no território brasileiro, os sistemas eólicos interiores também são do tipo úmido. Ocorrem apenas de forma localizada, em áreas com elevado suprimento sedimentar fluvial e estação seca prolongada. Destaca-se o campo de dunas do Jalapão, situado no centro-leste do Estado de Tocantins, região de cerrado com inverno seco. Campos de dunas eólicos pleistocênicos e holocênicos, hoje estabilizados, encontram-se na margem esquerda do médio curso do Rio São Francisco, no Estado da Bahia (De Oliveira et al., 1999). Os dados paleopalinológicos disponíveis, indicativos de condições climáticas mais secas que as semi-áridas atuais, permitem aventar a hipótese de que se possa ter aí um raro caso de sistema eólico seco no Quaternário do Brasil. Outros exemplos de sistemas eólicos pleistocênicos, agora inativos, mais com morfologia ainda preservada na paisagem atual, encontram-se na região das lagoas da Nhecolândia, na planície do Pantanal Mato-Grossense. Estas lagoas são consideradas depressões, originadas por deflação, bordejadas por dunas em forma de meia-lua (lunette sand dunes) (Tricart, 1982; Soares et al., 200; Assine & Soares, 2004).
  Se no Brasil não existem hoje sistemas eólicos desérticos, várias unidades estratigráficas, principalmente mesozóicas, registram a existência de paleodesertos. Na Bacia do Paraná, os arenitos do Grupo São Bento são o testemunho de dois paleodesertos distintos (Assine et al., 2004). Do ponto de vista da análise das associações faciológicas e sistemas deposicionais, os arenitos com diversidade faciológicas e presença  marcante de superfícies e de depósitos de planícies interdunas da Formação Pirambóia representam o registro de um sistema eólico úmido, superposto em discordância pelos arenitos de faciologia monótona, com presença de superfícies de 1ª ordem e escassez aparente de superfícies do sistema eólico seco da Formação Botucatu (Scherer, 2000; Sawakuchi, 2000; Donarri et al., 2001;; Donatti, 2002; Giannini et al., 2004).
  Além dos desertos Pirambóia e Botucatu, a existência de arenitos eólicos no registro mesozóico de diversas outras bacias brasileiras, como nas formações Sambaíba e Corda, da Bacia do Parnaíba (Goés & Feijó, 1994), e na Formação Sergi, da Bacia do Recôncavo-Tucano, mostram que o território brasileiro foi palco de intensa atividade eólica durante essa era. Condições áridas prevaleceram até o final do Cretáceo, tendo sido responsáveis pela formação de extensas unidades constituídas por arenitos eólicos em diversas bacias sedimentares brasileiras, como é o caso dos arenitos Caiuá da Bacia do Paraná (Soares et al., 1980; Fernandes & Coimbra, 1994) e de arenitos dos grupos Areado e Urucuia da Bacia Sanfranciscana (Campos & Dardene, 1997; Sgarbi et al.,  2001).
  O vento constituiu importante agente geológico em tempos pré-silurianos, quando a vida não tinha ainda conquistado os continentes, portanto desprovidos de vegetação. Como exemplo de sistemas eólicos eopaleozóicos, pode-se citar  as sequencias portadoras de arenitos eólicos com estratificação cruzada de grande porte do Grupo Guaritas da Bacia do Camaquã, no Rio Grande do Sul (Paim & Scherer, 2003).
  Segundo Ross (1983), os sistemas eólicos deveriam ter sido abundantes no Precambriano, embora tivessem sido pouco reconhecidos no registro geológico até o início dos anos 80. A partir de então, depósitos produzidos pelo vento passaram a ser reconhecidos com mais freqüência em terrenos precambrianos brasileiros, destacando-se a ocorrência de vários sistemas eólicos desérticos em unidades proterozóicas, como são os casos da Formação Galho do Miguel, na serra do Espinhaço, em Minas Gerais, e da Formação Tombador, na Chapada Diamantina (Pedreira, 1997).



Livro: Ambiente de Sedimentação Siliciiclástica do Brasil

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Minerais

Para começar, devemos entender o que são minerais. Minerais são unidades básicas de meterias inorgânicas que constituem o Planeta Terra. Portanto, todos os ramos de geociências são baseados nos estudos dos minerais.
Minerais são importantes também como matérias primas para indústrias.

Sistemas Cristalinos

Os minerais ocorrem geralmente em rochas cristalizadas, com arranjo tridimensional ordenado e regular dos átomos, íons ou moléculas.
Conforme o arranjo, cada cristal apresenta planos de cristalização específicos. Os minerais com forma externa definida pelos próprios planos de cristalização são denominados minerais idiomórficos. Os minerais idiomórficos podem mostrar várias formas de ocorrência, denominados hábitos, tais como prismático, acicular, fibroso e brotoidal.nforme o arranjo, cada cristal apresenta planos de cristalização específicos. Os minerais com forma externa definida pelos próprios planos de cristalização são denominados minerais idiomórficos. Os minerais idiomórficos podem mostrar várias formas de ocorrência, denominados hábitos, tais como prismático, acicular, fibroso e brotoidal.

Hábitos Cristalinos

Hábito cristalino corresponde à expressão descritiva de formas de agregação de minerais (Figura 4). Existem várias expressões, e as seguintes são mais utilizadas.
 A. Amigdaloidal (amygdaloidal): forma amendoada, como heulandita.
B. Equidimensional (equidimensional): mesmo comprimento em qualquer direção.
C. Colunar (columnar): forma ligeiramente comprida, calcita.
D. Prismático (prismatic): forma comprida, piroxênios.
E. Acicular (acicular): forma muito comprida, turmalina.
F. Fibrosa (fibrous): forma extremamente comprida, tremolita.
G. Laminar (bladed): forma delgada e comprida, cianita.
H. Tabular (tabular): forma de tabua, micrólitos de feldspato alcalino e plagioclásio.
I. Botroidal (botroyidal): forma de uva, goetita.
J. Dendrítico (dendritic): agregados com ramificação bem desenvolvida.
Clivagem e Fratura
Quando minerais são submetidos a uma força externa destrutiva, esses se rompem. Dentro das formas de rompimento, a clivagem e fratura são mais importantes. Certos minerais se rompem paralelamente ao longo de determinados planos, o fenômeno denominado clivagem.
Existem minerais que se rompem em direções não sendo paralelas aos planos do cristal. O plano de rompimento não é reto. Tal modo é denominado fratura. São conhecidos descritivamente alguns tipos de fraturas. Entre essas, a fratura chochoidal é freqüentemente encontrada na literatura. Por exemplo, o quartzo possui planos de cristalização bem desenvolvidos, porém apresenta fratura conchoidal.
 1) Fratura conchoidal (conchoidal): fratura formada por curva de modo semelhante à superfície interna de uma concha. Este tipo é observado comumente em quartzo, olivina, pirita e vidro.
2) Fratura acicular (splintery): rompimento na forma de agulhas ou fibras finas.
3) Fratura serrilhada (harkly): rompimento segundo uma superfície de forma dentada, irregular, com bordas angulosas.

Figura 5. Ilustração esquemática de clivagem desenvolvida em: B) um plano, de muscovita; C) dois planos de ortopiroxênio; D) três planos de calcita. A foto A apresenta exame de clivagem e a ilustração E e foto F, fratura conchoidal.

Dureza Relativa

A dureza (hardness) corresponde a um parâmetro de resistência mecânica da superfície de minerais. Quanto maior for a força de interligação, tanto maior será a dureza. A dureza é definida através de ensaios de risco entre dois minerais. O exame do risco (streak test) deve ser realizado de forma alternativa, isto é, tentar riscar o mineral.


Tenasidade

A tenacidade (tenacity) corresponde ao comportamento da deformação diante de forças externas. Este exame é simples, fácil e de baixo custo, necessitando-se apenas uma agulha.
São utilizadas as seguintes expressões descritivas.
1) Frágil (brittle): o mineral é rompido ou pulverizado facilmente por pequenos esforços. Calcopirita e minerais de argila são exemplos.
2) Maleável (malleable): o mineral é estendido por uma força compressiva, transformando-se em uma folha por deformação plástica . Elementos nativos do grupo do cobre, platina, ouro, prata, cobre, etc., possuem esta propriedade.
3) Séctil (sectile): o mineral é cortado por faca ou canivete em folhas finas. Os elementos nativos do grupo do cobre têm esta propriedade.
4) Dúctil (ductile): o mineral é extraído e alongado por uma força distensional formando fios. Elementos nativos do grupo do cobre têm esta propriedade.
5) Flexível (flexible): diante de um esforço, o mineral se deforma plasticamente, e não retoma a sua forma original mesmo após a retirada do esforço. Clorita e talco são os exemplos.
6) Elástica (elastic): diante de um esforço, o mineral se deforma, porém, retoma a sua forma original após a retirada do esforço. A muscovita apresenta notável característica elástica. Quase todos os minerais demonstram esta propriedade diante de pequeno esforço.

Diafaneidade

A diafaneidade (diaphaneity) é uma propriedade óptica que representa o grau de transmissão de luz dentro do mineral, ou seja, o grau de transparência. De acordo com a diafaneidade macroscópica, minerais são divididos em três categorias (Tabela 3): 1) transparente (transparent), 2) translúcida (translucent), e 3) opaca (opaque).
A diafaneidade (diaphaneity) é uma propriedade óptica que representa o grau de transmissão de luz dentro do mineral, ou seja, o grau de transparência. De acordo com a diafaneidade macroscópica, minerais são divididos em três categorias (Tabela 3):1) transparente (transparent), 2) translúcida (translucent), e 3) opaca (opaque).

Brilho

O brilho (lustre) é a aparência geral na superfície dos minerais à luz refletida. Esta propriedade é fácil de ser observada a olho nu ou à lupa. As expressões mais utilizadas brilho metálico e não metálico.
O brilho metálico (metallic lustre) corresponde à aparência brilhante na superfície do mineral que parece ser um metal. Os minerais que possuem brilho metálico são opacos, geralmente sulfetos ou óxidos de metais ou elementos nativos.
Todos os outros brilhos são chamados de brilho não metálico (non-metallic lustre).

1) Adamantino (adamantine): brilho característico de minerais transparentes com alto índice de refração, que demonstra relevante jogo de cores, ou seja cores de arco-íris, nos vértices e arestas . Os exemplos são diamante, coríndon e zircão.
2) Vítreo (vitreous, glassy): brilho que se observa em fragmentos de vidro quebrado, sendo característico em minerais transparentes com índice de refração relativamente baixo. Quartzo é um típico exemplo. O brilho pouco expressivo deste tipo é denominado de brilho subvítreo. Calcita é um exemplo.
3) Resinoso (resinous): aspecto da superfície que lembra a resina, sobretudo de cor amarelo claro, sendo característico de minerais translúcidos ou com reflexão na superfície relativamente alta. Esfalerita e opala são exemplos.
4) Gorduroso (greasy): aspecto da superfície parecido com gordura, sendo característico de minerais translúcidos com transmissão de luz relativamente alta ou com reflexão na superfície relativamente baixa. Nefelina é um exemplo.
5) Nacarado (perly): aspecto parecido com a superfície de pérola, devido à presença de planos de clivagem desenvolvidos. Talco e brucita são os exemplos.
6) Sedoso (silky): aspecto similar à seda, sendo característico de minerais de hábito cristalino fibroso, como gipsita, malaquita e serpentina.

Cor e Traço


A cor de traço (streak) aparece quando o mineral a ser examinado é esfregado sobre uma superfície bruta (não polida e não coberta) de uma placa de porcelana, cuja dureza está entre 6 e 7. Desta forma, é aplicável apenas para minerais de baixa dureza, porém é útil para minerais metálicos. A cor de traço nem sempre é igual à cor macroscópica do mineral examinado, sendo a cor do pó do mineral oxidado.
Luminescência
A luminescência (luminescence) corresponde a qualquer tipo de emissão de luz que não é originada da incandescência. A luminescência da maioria dos minerais é de baixa intensidade, portanto é observada apenas no escuro a lupa binocular.

Magnetismo

De acordo com o grau da tendência de atração por força magnética, ocorre o fenômeno denominado magnetismo (magnetism). Conforme o magnetismo, minerais são classificados em seguintes categorias.
1) Minerais fortemente magnéticos: magnetita (Fe3O4) e pirrotita (Fe(1-X)S), que são atraídos por imã comum. Estes são óxido e sulfeto de ferro.
2) Minerais magnéticos: ilmenita (FeTiO3), cromita (FeCr2O4), almandina (granada de ferro, Fe3Al2(SiO4)3), estaurolita (Fe2Al9Si4O23(OH)), etc., que são atraídos apenas por imã do tipo “ventosa”. Esses são outros tipos de óxido e sulfeto de ferro.


3) Minerais ligeiramente magnéticos: monazita ((Ce,La,Nb)PO4), zircão (ZrSiO4), xenotima (YPO4), minerais máficos, etc., que somente podem ser separados pelo separador eletromagnético isodinâmico. Os minerais são silicatos máficos com ferro.